Quando começamos a namorar, pensava que seria por um tempo breve, que não passaria de uns poucos meses e, então, terminaríamos. Mas, mesmo assim, achei que poderia valer a pena viver aquela experiência, afinal o rapaz era inteligente, educado, gentil, músico, trabalhador… e tão bonito! Considerei que poderíamos crescer um com o outro e que seria um tempo de aprendizagens para ambos. No entanto, realmente não vislumbrava que teria futuro um namoro com alguém que se dizia “agnóstico”. (Aliás, aceitar namorar com ele já era uma grande concessão, porque logo ao início da nossa aproximação, quando o Estevão me contou que era agnóstico, eu imediatamente o enquadrei na categoria “amigos”, e justifiquei em tom de brincadeira: tenho amigos de todos os tipos!). Até então, para eu namorar, considerava imprescindível que fosse alguém disposto a cultivar a espiritualidade e a vivência da fé. Ainda mais, após ter namorado um cristão católico por 2 anos e ter vivido experiências importantíssimas de comunhão e crescimento espiritual com ele (e também com sua família e seus amigos). Sobre este outro namoro falarei mais adiante.

Estávamos nas primeiras semanas de namoro e o Estevão, sabendo da minha vivência religiosa, mandou essa: “Para casar na Igreja Católica tem fazer um curso, né? Mesmo sendo agnóstico, quero te dizer que eu faço, tá?”… Fiquei um pouco constrangida com aquela declaração, que não era mero “xaveco”, mas revelava uma intenção e uma abertura, até mesmo maior que a minha. É claro que ele não imaginava todo o sentido do Sacramento do Matrimônio (vulgo “casamento na Igreja”), e percebo hoje, honestamente, que nem mesmo eu tinha a dimensão exata e a consciência plena do seu significado. Mas, aos poucos, a gente foi se identificando nos valores fundamentais e em um mesmo propósito de vida. Fui percebendo nele muitas virtudes e um desejo sincero da verdade, do bem, do amor. E, conforme crescia a confiança mútua, fomos encarando o desafio de nos manifestar um ao outro, em um verdadeiro caminho de conhecimento de si e do outro (que se aprofunda até hoje). Desse modo, transcorreram muitos meses de namoro (28, até o casamento), num constante exercício de abertura e acolhimento, aprendizado e crescimento, escuta e desvelamento, encontro e discernimento.

Nos conhecemos por intermédio de um amigo querido, que ousou dar um jeito de nos apresentar, mesmo sabendo das nossas diferenças. Foi instrumento do Altíssimo, que queria o nosso encontro. Eu, de Ribeirão, Estevão, de Cuiabá. Era meu último semestre (do ano “extra”) do curso de Pedagogia, na USP. Ele ainda estava na metade do curso de Música. Ao ingressar naquela Universidade, ele se deixou doutrinar pelo materialismo histórico-filosófico-(pseudo)científico que reina nas universidades públicas, passando a declarar-se ateu e, posteriormente, assumindo-se como agnóstico. Mas permanecia um “cristão por cultura”, como ele mesmo dizia. Enquanto isso, desde que ingressei naquela Universidade, eu dedicava a maior parte do meu tempo à evangelização, buscando semear “um sonho de amor para o mundo”, através do Projeto Universidades Renovadas, da RCC, do qual era coordenadora arquidiocesana quando conheci o Estevão. Uma única vez (mais por educação) o convidei para ir à Missa comigo e com outros amigos. Ele, educadamente, agradeceu mas recusou o convite. Qual não foi minha surpresa quando, na semana seguinte, ele mesmo se convidou para ir conosco. E no outro domingo, novamente. E no outro também… Até que eu não me aguentei e perguntei o porquê de estar indo à Celebração conosco há mais de um mês, ao que ele respondeu que era por uma experiência “estética” (!!!). Claro que não entendi essa resposta, um tanto enigmática para mim, mas fiquei encantada pela sensibilidade dele quando explicou que se interessou pela beleza do rito e de toda a simbologia presente na liturgia.

Conversávamos bastante sobre nossas experiências e percepções da realidade. Às vezes, debatíamos ideias e confrontávamos nossas opiniões, mas não tentávamos impor nossas verdades “goela abaixo” para o outro. Era o diálogo que nos fazia crescer e nos compreender mais profundamente, fortalecendo e revelando nossas identidades. Buscávamos sempre conversar sobre nossos sentimentos, sobre nossa história de vida, sobre nossos projetos para o futuro. Curtíamos muito ficar de bobeira alguns minutos na Praça do Relógio, depois de almoçar no bandejão. Eram bons momentos contemplação carinhosa do céu, das nuvens, das árvores e, principalmente, do olhar do outro. Também passeamos bastante pelos parques da cidade e pela avenida Paulista. Estávamos sempre convivendo com amigos queridos e compartilhando uma bela pizza, boa e barata. Até que, com quase um ano de namoro, e com o apoio dele, me mudei para o Rio, para estudar Teologia na PUC (curso que ainda não terminei, mas falta pouco!). E lá se foi mais um tempo de muito aprendizado e crescimento, namorando à distância. Quatro meses antes do nosso casamento real, o Estevão teve uma experiência profunda de conversão à Fé católica (queremos escrever este relato, com mais detalhes, em outro momento).

praça do relógio USP

O namoro é, de modo geral, um tempo leve e gostoso demais. Contudo, se estamos dispostos a crescer no amor, ele sempre nos desafia e interpela, nos movendo a um rico processo de humanização e ordenação de nossos afetos. Não foi tão fácil vencer nossos preconceitos e nos abrir um ao outro, respeitando (e valorizando!) nossas diferenças culturais, filosóficas, afetivas. Fomos nos deixando enamorar um pelo outro, numa experiência de acolhimento e integração das virtudes, presentes em cada um, bem como de nossas limitações e fragilidades. Outro grande desafio foi o amadurecimento da relação e dos sentimentos, de modo que a atração e a paixão inicial abrissem espaço à admiração sincera, à amizade real, à serenidade e à paz da companhia do outro, sem que deixassem de existir. Também não foi nada fácil namorar à distância durante um ano e meio, após um ano de namoro “presencial” e quase cotidiano. Foi sofrido e árduo conviver com a saudade e cultivar a fidelidade ao nosso compromisso de namorados e noivos. Mas, certamente, o maior dos desafios foi realizar o nosso discernimento vocacional, buscando, no íntimo dos nossos corações, a certeza daquilo que era a nossa vontade profunda, e que acreditamos ser expressão da vontade de Deus para as nossas vidas. Dizer o nosso SIM no altar foi a culminância de um exigente processo de discernimento. Até o último instante, poderíamos tomar outra decisão, escolher outro caminho, escrever outra história.

A vocação é DOM e TAREFA. Por isso, em nosso convite de casamento, estava escrito: “Nos escolhemos porque o Amor nos escolheu”. Foi nossa tarefa conhecer, discernir e escolher entrelaçar nossa história para sempre. Livremente nos elegemos e decidimos amar fielmente todos os dias da vida, na alegria e na tristeza. Foi tarefa nossa comprometer a vida toda um com o outro e renunciar a qualquer outra possibilidade. É nossa tarefa permanecer no amor, sendo fiéis ao compromisso assumido e à palavra dada. É nossa tarefa renovar nossa decisão de amar a cada novo dia, atualizando aquele mesmo SIM, total e definitivo, que demos um ao outro e, ambos, a Deus. É nossa tarefa encontrar os meios de nutrir e fortalecer o nosso amor cotidiano. É nossa tarefa não desistir, mesmo nos momentos mais difíceis. Entretanto, a nossa principal tarefa é permanecer abertos à Graça de Deus, que nos sustenta a cada instante. É Ele quem nos chama ao amor e nos capacita a corresponder amando e ofertando a vida. Sem a Graça de Deus, não é possível amar até a morte (aliás, nenhum bem é possível). Mas, na fé, é possível viver essa esperança. E a fé é DOM, a esperança é DOM, o amor é DOM. E nós queremos acolher o DOM de Deus, nos deixando transformar e moldar por Ele, todos os dias da nossa vida. Hoje sabemos que aquele SIM não foi o “fim do caminho”, mas um marco vocacional, que nos impulsiona a construir a história da nossa família, sendo “uma só carne”, ou seja, compartilhando uma mesma existência, no presente-futuro que assumimos juntos, em “íntima comunhão de vida e amor”, a serviço da humanidade… O que só nos é possível porque Ele nos amou primeiro!

Ao final desse texto, devo dizer que, além do tempo específico do namoro com o Estevão, em toda a minha história de vida, Deus foi me preparando para assumir o Matrimônio como uma vocação. Entretanto, foi durante um namoro que tive antes, que fui “curada” do medo de casar. Não só porque o Lucas é uma pessoa muito especial, mas também porque ele pertence a uma família que se tornou, para mim, uma referência. Até conhecer os pais dele, eu nunca havia conhecido e convivido com uma família fundada a partir da experiência do Amor de Deus, e que buscava viver o sentido vocacional do matrimônio e da família, testemunhando a beleza do amor humano, mesmo casados há mais de vinte anos (na época). Eles foram uma grande inspiração para a minha vida (e são ainda!), tanto que os convidei para serem nossos padrinhos de casamento, tamanha importância que o amor deles teve na minha história e no meu caminho vocacional. Por isso, costumo dizer que, se não tivesse namorado com o Lucas, não teria conseguido me casar com ninguém! (rs). Graças a Deus, Adelina e Luiz Antonio são grandes testemunhas da alegria do amor nesse mundo! E esse convívio foi realmente decisivo para mim. Além disso, devo dizer também que o namoro com o Lucas produziu, ainda, muitos bons frutos na minha vida. Foi através dele que tive contato com a espiritualidade inaciana e pude fazer, pela primeira vez, a experiência dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, que me ajuda tanto desde então. Foi também por influência dele que comecei a participar mais da vida cultural da Universidade, retomando o meu gosto por poesia e MPB. Certamente, outro fruto precioso é a nossa amizade que perdura no tempo e que também se estendeu para tantos outros amigos.

Com isso, quero afirmar que “um namoro que deu certo” não é somente aquele que culminou no casamento, mas também aquele que gerou frutos de vida em nossa vida, que nos fez mais humanos, mais abertos a Deus e à humanidade. Creio que eu e o Lucas terminamos o namoro na hora certa (mesmo sendo muito sofrido terminar um namoro de dois anos e tantas coisas bonitas). Terminar um namoro deve ser fruto de um discernimento. Tinha convicção de que não seria bom seguir com os sentimentos descompassados como estavam. Depois de duas semanas, ele conheceu a querida Anali, com quem se casou há sete anos (e, carinhosamente, nos convidaram para sermos padrinhos, o que nos deixou muito felizes =). E eu conheci o Estevão, um mês depois do término (na verdade, ele me viu pela primeira vez no dia seguinte ao término!). E é por essas e outras que confio totalmente na Divina Providência e acredito que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8,28).